Xadrez na Educação
Professores utilizam o jogo de xadrez como ferramenta pedagógica
HERBERT CARVALHO*
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O programa Xadrez Movimento Educativo, da prefeitura de São Paulo, guarda uma diferença básica em relação a outros destinados a melhorar a qualidade do ensino público no Brasil: não surgiu dos gabinetes das autoridades ou de esferas partidárias instaladas no governo. Nasceu de iniciativas isoladas de professores que gostavam de jogar xadrez e pensaram em ensiná-lo a seus alunos. E, movida pelo entusiasmo desses mesmos alunos - decididos a aproveitar uma oportunidade só oferecida em países socialistas ou pelas mais caras escolas particulares -, a prática atravessou incólume as administrações de Paulo Maluf e Celso Pitta, para atingir seu auge na gestão petista de Marta Suplicy.
No dia 21 de novembro do ano passado, na inauguração do Centro Educacional Unificado (CEU) Inácio Monteiro, uma das escolas com piscina e teatro que estão sendo erguidas na periferia paulistana, ninguém menos que o russo Anatoly Karpov - campeão mundial de xadrez entre 1975 e 1985 - teve de suar a camisa numa sessão de partidas simultâneas contra 20 alunos, representantes de outras tantas escolas da rede municipal.
Após três horas de renhido combate, Karpov venceu a todos, emocionando-se, entretanto, por ver num remoto país da América do Sul grupos de crianças alternarem práticas locais - como a capoeira - com as artimanhas intelectuais do tabuleiro. Algo somente imaginável há algumas décadas, nos países da antiga União Soviética.
Para que esses jovens chegassem a ter o privilégio de medir forças com o ex-campeão mundial, um longo caminho, repleto de obstáculos e questões burocráticas, teve de ser percorrido por alguns professores abnegados.
"Parece escola particular!"
Ana Sílvia de Almeida é uma professora de 40 anos, que há três coordena o Xadrez Movimento Educativo. Foi com muita paciência e tenacidade, qualidades essenciais dos enxadristas, que ela iniciou seu trabalho no projeto em 1998, na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) General Eurico Gaspar Dutra, na Vila Brasilina, Zona Sul, onde dava aulas de geografia para alunos da quinta à oitava série.
"Um dia a coordenadora pedagógica entrou na sala dos professores e perguntou quem sabia jogar xadrez. Apresentei-me, e ela perguntou se eu gostaria de preparar alguns alunos para representar a escola num campeonato", conta Ana Sílvia, que aprendeu o jogo aos 6 anos, com um tio. O passo seguinte foi pesquisar nas salas de aula quantos e quais alunos poderiam ter alguma noção do jogo. Mas os que se apresentaram entre os mais de 300 das oito salas em que lecionava não eram enxadristas. O que eles sabiam jogar, na verdade, era damas.
Para dar as aulas de xadrez, Ana Sílvia levou seu tabuleiro e as peças de casa. "Colocava-o numa mesa redonda na sala dos professores, e as crianças ficavam em volta. Lembro-me de que uma menina disse: 'Puxa, professora! Nossa escola até parece escola particular!' " Como exemplo de interatividade entre o xadrez e o currículo, ela comparava a anotação de uma partida com as coordenadas de um mapa. "Era tudo artesanal, eu desenhava o tabuleiro na lousa", recorda.
Hoje instalada num casarão na Vila Mariana, onde funciona o setor de projetos especiais da Diretoria de Orientação Técnica (DOT) da Secretaria Municipal da Educação, Ana Sílvia exibe alguns números de que muito se orgulha: já são 30 mil crianças que aprenderam xadrez, em quase 300 escolas, orientadas por mais de 600 professores. Pode ser pouco diante de uma rede pública municipal com 1 milhão de alunos matriculados, mais de mil escolas e cerca de 40 mil professores. Mas é muito se comparado com o início do programa, há dez anos: do primeiro torneio escolar municipal participaram apenas cem jogadores, de 12 escolas.
A tarde de sábado do dia 17 de abril de 2004 foi de festa na EMEF Gastão Moutinho, no bairro do Mandaqui, Zona Norte. Com a presença dos pais dos alunos, o descerrar de uma fita marcou a inauguração da sala de xadrez da escola. Decorada com peças recortadas em cartolina e pregadas nas paredes por mães voluntárias, a sala, equipada como um clube de xadrez, representa a coroação - para utilizar um termo do próprio jogo - do trabalho da professora Eugênia Hideko Motoyama Martins de Oliveira, de 53 anos e 23 de magistério.
Quando começou a dar aulas de xadrez, no segundo semestre de 2000, Eugênia contava com seis alunos, um quadro mural imantado e peças que ela própria confeccionara para demonstrar os movimentos. Hoje são 54 os jovens enxadristas de sua escola. José Luís Fernandes Aguiar, aluno que participa do projeto desde o início, é um jovem tão compenetrado que, após dois anos estudando xadrez, pediu à professora algo ainda mais inusitado: aulas de japonês, cujos ideogramas aprendeu a desenhar. Não é de admirar que, com tanta disponibilidade, Eugênia seja adorada pelas crianças, que a ovacionaram quando foi chamada para a cerimônia de inauguração da sala.
Ecologia e artesanato
Sílvia Cristina de Lima Mello, de 40 anos de idade e 15 como professora de ensino fundamental e de educação infantil, há quatro anos desenvolve o projeto Ginástica da Mente, na EMEF Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, em Itaquera, na Zona Leste. "Utilizamos o xadrez como recurso lúdico, para propiciar momentos de integração e ajudar o aluno a ser mais receptivo ao conhecimento. Através de pesquisa e do trabalho com jogos tornou-se possível conciliar a educação física com a ambiental", explica a professora.
Sílvia concebeu uma variação "ecológica" do jogo, com as mesmas regras milenares do xadrez, mas novos personagens. Assim surgiram Chico Mendes e os Benfeitores da Natureza, em que o rei é o mártir dos ambientalistas e patrono da escola. A dama é Gaia, a mãe Terra; o bispo transforma-se no santo protetor dos animais, Francisco de Assis; o cavalo dá lugar ao beija-flor, e as torres são simbolizadas pelo pau-brasil e pela seringueira. Os peões são crianças de todas as raças.
Na quadra esportiva da escola os alunos, devidamente caracterizados, encenam um xadrez humano, deslizando por um tabuleiro gigante fabricado com caixas de papelão - sobra de outro programa, o clientelista Leve Leite - num mutirão que contou com a participação até do vigia da escola. De acordo com a professora Sílvia, o resultado desse trabalho reflete-se em todas as disciplinas: os alunos se mostram mais atentos e interessados, aprendem a trabalhar em grupo, tornam-se sociáveis e cooperativos, ficam até mais calmos e mais amigos uns dos outros.
O professor Pedro Frederico Püttow, de 35 anos e 12 de magistério, combinou xadrez com trabalhos manuais e artesanato na EMEF Padre José de Anchieta, em São Miguel Paulista, também na Zona Leste. A partir da filosofia dos quatro "erres" - reduzir, reutilizar, reciclar e repensar -, ele e seus alunos fizeram jogos de xadrez com tampinhas de refrigerantes. Sua obra-prima é um xadrez em escala gigante confeccionado com a técnica de cestaria, usando jornal velho. Cada peça é elaborada com canudinhos feitos com folhas de jornal, que ganham a aparência de vime. Pedro levou quase um ano para fazer o primeiro jogo completo, com as 32 peças.
Descaso e burocracia
O entusiasmo de professores e alunos contrasta, entretanto, com a má vontade da direção de algumas escolas, por vezes escudada numa ignorância que chega a identificar o xadrez como "jogo de azar". Além disso, o programa padece da crônica falta de recursos materiais e humanos que caracteriza o serviço público em geral e o ensino público em especial. O material didático é precário e xerocado. Na compra de cartilhas ou troféus e medalhas esbarra-se na burocracia.
Cada Coordenadoria Regional de Educação (por sua vez vinculada a uma subprefeitura) tem de fazer a compra de livros, peças ou tabuleiro mural para a respectiva região. O programa estava estruturado de acordo com os 13 Núcleos de Ação Educativa (NAEs), que correspondiam à antiga estrutura das administrações regionais. Teve de ser redimensionado para atender às 31 subprefeituras em que a administração municipal foi dividida.
Enquanto espera apreensiva os desdobramentos políticos das próximas eleições municipais, a coordenadora Ana Sílvia busca estreitar parcerias, como a que mantém com a Kashmir Decorações, empresa fabricante do xadrez gigante (peças de plástico com 33 centímetros de diâmetro e altura entre 45 e 75 centímetros, dispostas em um tabuleiro de 4 metros quadrados). Disponível em algumas escolas, o xadrez gigante permite aliar o exercício físico ao mental.
Outra parceria levou a empresa SerSoft Informática Ltda., responsável pelo site HumorTadela, a criar a identidade visual do programa, simbolizado por um peãozinho que sonha se transformar em dama. A idéia original é de Rebeca, aluna de 6 anos de uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI).
Além de professores e alunos, outra fonte de energia para o programa está no apoio dos pais. Quando soube que iriam acabar as aulas de xadrez na Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio (EMEFM) Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Iara Souza enviou para os principais jornais paulistas um "pedido de socorro": "Sou mãe de duas crianças (Pedro, de 10 anos, e Bárbara, de 4) e moradora da Cohab Cidade Tiradentes, o que torna possível desenhar meu perfil socioeconômico. Além do abandono e do descaso com transporte, pavimentação, saúde, enfim, estrutura básica que nós, moradores da periferia, sofremos, um fato novo deixou-me totalmente desamparada. Na escola em que meu filho, sobrinhos e seus amigos estudam foi paralisado o projeto de aulas de xadrez. No bairro não temos praças, cinemas, bibliotecas. Temos, sim, superpopulação. O sucesso em campeonatos faz crescer a auto-estima das crianças, que se tornam multiplicadores de bom senso, respeito, integridade. Peço humildemente que mantenham a estrutura para este e outros projetos, sem os quais nós, pais da periferia, visitaremos nossos filhos e filhas em 'outro xadrez', menos promissor e íntegro".
O professor Égnon Viana, de 37 anos e 14 de magistério, dos quais seis na EMEFM Oswaldo Aranha, manteve o projeto de xadrez em sua escola de 1999 a 2003 e ainda o estendeu para a EMEI Margarida Maria Alves. Associou aspectos do jogo com a alfabetização. Quando a carta de Iara Souza foi publicada, a direção da escola adotou uma solução esdrúxula. Manteve as aulas de xadrez apenas para professores. Diante do boicote sofrido, Égnon pediu transferência e aguarda o momento de levar o xadrez para outra escola.
Para defender o projeto da sanha de burocratas e estendê-lo à rede pública de ensino de outras prefeituras e estados, o Instituto Brasileiro de Memória Jurídica e Social (Memojus) - uma organização não-governamental criada por historiadores, advogados e jornalistas - decidiu adotá-lo. "Vamos montar uma estrutura para manter o projeto em caso de abandono pelo poder público", diz Eunice Nunes, presidente da entidade.
* Herbert Carvalho é jornalista, mestre de xadrez e autor do livro "Tabuleiro da Vida", da Editora Senac São Paulo
Bases epistemológicas
A idéia de que o próprio conhecimento é um jogo de investigação em que se pode ganhar, perder e tentar novamente está na base da utilização de jogos como material de trabalho psicopedagógico. De acordo com a teoria epistemológica do psicólogo e pedagogo suíço Jean Piaget (1896-1980), toda criança passa por três estágios de jogo. O jogo de exercício, repetitivo, é a base para o como das coisas. O jogo simbólico, produtor de linguagens e convenções, lida com o porquê das coisas. O jogo de regra, de caráter coletivo e assimilação recíproca, marca a transição da atividade individual para a socializada.
O xadrez contempla de maneira paradigmática essas três etapas, e por isso mesmo seu ensino nas escolas é defendido por psicopedagogos como Celso Antunes, autor do livro "Jogos para a Estimulação das Múltiplas Inteligências", para quem o jogo é "o melhor caminho de iniciação ao prazer estético, à descoberta da individualidade e à meditação". Na monografia "O Jogo de Xadrez na Escola Pública: Uma Visão Psicopedagógica", Elenita Pompeu defende o ensino do xadrez para alunos e professores (em programas de educação continuada), "com o intuito de resgatar a ética nas relações humanas, estimular habilidades lógico-matemáticas e desenvolver a atenção e a memória". Para ela, o jogo deve ser adotado como parte do currículo no tema transversal ética, previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais.
O neurologista e neurocirurgião mineiro Italo Venturelli, além de recomendar em palestras por todo o Brasil a prática do xadrez para crianças com dificuldades de aprendizado, acrescenta que os benefícios se estendem muito além dos exames acadêmicos ou do êxito profissional. "O xadrez é um exercício mental que ajuda a prevenir doenças degenerativas do cérebro, como o mal de Alzheimer", garante o médico.
Dos bolcheviques aos colégios da elite
No Ocidente, o xadrez surge como um jogo para poucos. Na Idade Média era praticado por religiosos em conventos, depois pela nobreza e a seguir por intelectuais como Jean-Jacques Rousseau, filósofo do Iluminismo.
A primeira tentativa de massificação surge com a Revolução Russa, que se depara com uma contradição: uma reduzida classe operária diante de uma massa de camponeses ignorantes, cujo passatempo nacional são o alcoolismo e a fabricação caseira de vodca.
Nesse quadro, os bolcheviques reconhecem no jogo de xadrez um instrumento para elevar o nível cultural do povo e decidem ensiná-lo nas escolas. Os que se destacam recebem treinamento nos Palácios dos Pioneiros, espalhados até pelos mais diminutos lugarejos. Esse sistema proporciona aos soviéticos quantidade e qualidade que resulta numa hegemonia de décadas sobre o xadrez mundial.
Nos moldes em que foi desenvolvida na ex-URSS, a massificação do xadrez só tem paralelo em Cuba, onde também é matéria escolar. Recentemente, na província de Santa Clara, mais de 13 mil pessoas (na maioria jovens) constituíram o novo recorde mundial de participantes de um único torneio.
No Brasil, o xadrez foi introduzido nos círculos intelectuais no final do século 19 por Machado de Assis. A partir dos anos 1970, ganha os meios de comunicação impulsionado pelo fenômeno norte-americano Bobby Fischer, que em plena Guerra Fria arrebata dos soviéticos o título mundial.
Em 1972, Henrique da Costa Mecking, o Mequinho, torna-se o primeiro grande mestre brasileiro e é instrumentalizado pela ditadura militar. O general Emílio Garrastazu Médici, então presidente da República, afirma que "seremos campeões dos pés à cabeça", numa referência à conquista da Copa do Mundo de 1970. A primeira tentativa de introduzir aulas de xadrez na rede pública ocorre em Osasco, em 1976. Ainda nessa década um torneio escolar promovido pelo jornal "Gazeta Esportiva" reúne centenas de crianças em São Paulo.
De lá para cá as melhores e mais caras escolas particulares de São Paulo passam a oferecer cursos de xadrez e fazem disso um diferencial de marketing. No Liceu Pasteur, o programa existe há quase duas décadas. Um de seus alunos, Fernando Hasegawa, chegou a ser campeão brasileiro na categoria de menores.
O Colégio Albert Sabin ostenta o título de campeão brasileiro escolar por equipes. Sua aluna Larissa Tokinari também já foi campeã brasileira. A exemplo do Liceu Pasteur, parte de suas aulas são ministradas na grade curricular e parte em turmas especiais de treinamento. O professor há mais de 15 anos é o mestre Antônio Carlos Rezende.
No Colégio Bandeirantes as aulas não fazem parte do currículo, o que também ocorre no Dante Alighieri, onde o professor é o mestre Jefferson Pelikian. No Colégio São Luís, as aulas começaram há um ano, ministradas pelo mestre Angel Gutierrez.
O Colégio Augusto Laranja sagrou-se campeão paulista num torneio entre escolas e clubes federados, realizado pela Secretaria de Esportes do Estado em 1993. No Colégio Mackenzie Tamboré, o professor é Wagner Madeira, autor de uma dissertação de mestrado em literatura, na qual relaciona Machado de Assis com o jogo de xadrez.
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Introdução
Deve-se entender jogo como uma atividade que obedece ao impulso mais profundo e básico da essência animal, sendo considerado como um comportamento primário na espécie humana (SCHWARTZ, 2004). Esta atividade tem inicio na vida com os mais elementares movimentos, evoluindo até dominar a enorme complexidade do corpo humano. Diversos pesquisadores centraram a atenção na reflexão sobre o jogo e, embora tangenciando esta temática, em função de focalizar os aspectos gerais do desenvolvimento humano, muito contribuiu na perspectiva de identificação dos estágios maturacionais em relação ao jogo.
Segundo Piaget, os primeiros jogos com os quais a criança tem contato são os chamados jogos de exercício. A transição dos jogos de exercícios para os simbólicos marca o inicio de percepção de representações exteriores e a reprodução de um esquema sensório-motor. Pode-se dizer que o jogo simbólico exercita a imaginação.
Ao alcançar o período das operações concretas, a criança torna-se capaz de jogar atendo-se a normas. Surgem, então, os jogos de regras, para os quais ela terá que abandonar a arbitrariedade que governava seus jogos, adaptando-se a um código comum, podendo ser criado por iniciativa própria ou por outras, mas que deverá acatar limites, porque a violação das regras traz consigo uma conseqüência, muitas vezes negativa.
Isto ajudará a criança a aceitar o ponto de vista das demais, a limitar sua própria liberdade em favor dos outros, a ceder, a discutir e a compreender, este aspecto é necessário ao ser humano. Quando se praticam jogos de grupo, a experiência se engrandece, já que a solidariedade é agregada à vida da criança, surgindo, assim, os primeiros sentimentos morais e a consciência de grupo.
A partir disto torna-se essencial notar o valor educativo inegável que a prática lúdica possui. Roger Cousinet (1945) defende que o jogo é a base do Método Pedagógico Cousinet de trabalho em grupo, assim o jogo e a brincadeira, eram atividades naturais da criança e portanto, a atividade educativa deveria ser fundamentada nessas atividades, considerando a criança como ela é e não como o adulto que deverá vir a ser. Muitos psicólogos, como Édouard Claparède (1903), psicólogo e educador suíço que acreditava no jogo como um modelo educativo, afirmam que os primeiros anos são os mais importantes na vida do homem, sendo o jogo a atividade central manifestada.
Alguns professores cometem o erro de não valorizar a atividade lúdica, não extraindo o que ela contém de educativo. Pode-se sentir na criança que o seu ingresso na escola é algo muito diferente de tudo que ela fez até então, que terá obrigações a cumprir, que sua vida dedicada ao jogo terá uma mudança brusca.
Aprender a diferenciar o que significa o jogo para o adulto e para a criança é, justamente, o grande desafio. Normalmente, o jogo é uma atividade realizada para preencher horas vazias, isto na visão do adulto. Para as crianças, no entanto, brincar é todo um compromisso pelo qual lutam e se esforçam.
Em todas as instituições, como na família ou na escola, parece haver um valor equivocado impresso com relação ao jogo, merecendo este um novo redimensionamento em todos os níveis de desenvolvimento humano.
Diversas são as opções apresentadas pelo fenômeno do jogo e, por sua amplitude, neste estudo o foco será direcionado apenas ao jogo de xadrez, porque este pode ensinar as crianças o mais importante na solução de um problema, que é saber olhar e entender a realidade que se apresenta.
É interessante notar que definir xadrez torna-se uma tarefa complexa, visto que o esporte aborda diversas áreas das expressões humanas. Muito oportuna foi a colocação do famoso poeta, romancista e cientista alemão GOETHE (1786), afirmando que "O xadrez é a ginástica da inteligência".
MELÃO JÚNIOR (1998) refere-se, também, ao xadrez, de forma ainda mais ampla e poética. Para esse autor:
" O xadrez não passa de um punhado de tocos de pau, dispostos sobre uma tábua quadriculada, situada entre duas criaturas incompreensivelmente absortas, que, dominadas por uma espécie de autismo, desperdiçam inutilmente seu tempo, olhando para este brinquedo sem graça, enquanto o mundo ao seu redor pode desmoronar sem que se apercebam disso. Esta é a interpretação do homem vulgar, insensível e apático; incapaz de enxergar as essências, homem que se conforma com uma visão superficial das coisas e se deixa seduzir pelas aparências de outras atividades menos belas e eloqüentes. Para o homem mediano, o xadrez é um mero acessório, útil tão somente porque contribui para desenvolver diferentes faculdades mentais, melhorando o desempenho escolar nas crianças, intensificando a acuidade mental nos adultos e preservando por mais tempo a agilidade mental nos idosos. Porém, para o homem espirituoso, criativo e empreendedor, o xadrez é uma das mais ricas fontes de prazer, um meio no qual se encontram elementos para representar as mais admiráveis concepções artísticas, um campo pelo qual a imaginação pode voar livremente, produzindo, com encantadora beleza, idéias deliciosamente sutis e originais. O xadrez é uma das raras e preciosas atividades em que o homem pode explorar ao fundo suas emoções, atingindo estados de prazer tão sublimes, tão ternos, tão intensos, que só podem ser igualados pelas sensações proporcionadas pelo amor e pela música".
O jogo de xadrez possui características importantes, as quais podem desenvolver habilidades
Borin (1996) afirma que os jogos auxiliam também na descentralização, que consiste em desenvolver a capacidade de ver algo a partir de um ponto de vista que difere do seu, bem como potencializa a linguagem, a criatividade e raciocínio dedutivo, exigidos na escolha de uma jogada e na argumentação necessária durante a troca de informações. Grau (1973) ressalta que numa partida de xadrez são exercitadas duas visões de grande importância para o desenvolvimento da capacidade de abstração: a visão imediata e a visão mediata.
Quando a criança está jogando, ela deve sempre verificar qual o melhor lance a ser realizado naquela posição, este número de lances cresce de acordo com as jogadas, a criança passa, após certo tempo de prática, a descartar algumas possibilidades já estudas e, com isso, agiliza sua análise contemplando apenas as possibilidades mais viáveis. Isto reforça a habilidade de observação, de reflexão, de análise e de síntese.
Durante a partida de xadrez, o enxadrista depara-se com mais de um caminho a seguir, deve estar sempre pronto a verificar o lance a ser feito e saber que aquela decisão pode mudar totalmente o destino daquela partida. Neste sentido, a criança desenvolve habilidades e hábitos necessários à tomada de decisões.
Não basta, no entanto, o aluno saber solucionar o problema ou o exercício proposto, analisando apenas uma parte do tabuleiro. É de extrema importância que ele seja capaz de ver o tabuleiro como um todo, sabendo que as peças não devem ser vistas isoladamente, mas sim, que as mesmas fazem parte de um contexto geral, em que uma depende da outra para se atingir o então almejado xeque-mate. Esta característica evidencia um aprimoramento da compreensão e na solução de problemas pela análise do contexto geral.
No jogo de xadrez, apesar deste ser praticado em dupla, cada enxadrista terá que tomar a decisão sobre a jogada individualmente, o que favorece a autoconfiança nas decisões. Mesmo nas competições por equipe, cada jogados tem o seu tabuleiro, não havendo possibilidade de ser orientado durante a partida, cabe a ele tomar as decisões e arcar com os resultados obtidos.
A participação de crianças no jogo do xadrez vem aumentando no decorrer dos anos, sendo que, em muitos países, a prática do xadrez faz parte do currículo escolar. Quando bons hábitos são desenvolvidos desde a infância, é provável que estes sejam assimilados mais facilmente e mantidos para o resto da vida do indivíduo. Logo, o aprendizado do xadrez torna-se viável nesta fase, devido a sua enorme abrangência educacional, social e psicológica.
A contribuição que o jogo de xadrez pode dar à educação e, em especial à educação matemática, é inegável, tendo em vista todos os aspectos positivos elencados anteriormente ao longo do texto.
Quando a criança está jogando uma partida de xadrez, é necessário que utilize muito raciocínio, para que possa colocar em prática o seu plano estratégico, o qual deve ser escolhido após uma longa análise da posição e verificação da eficácia, por isso, há necessidade de muita concentração e atenção. Isso contribui para que a criança adquira facilidade em raciocínio lógico, o que é contemplado com freqüência em questões matemáticas.
É importante ressaltar que os jogadores necessitam de muita concentração durante as partidas, pois é um momento de reflexão posicional, na qual uma pequena falha pode levá-lo à perda de sua partida. Pode-se relacionar este fato ao sucesso ou insucesso referentes à resolução de problemas matemáticos, uma vez que, com certa freqüência, o indivíduo encontra-se em situações que precisam ser resolvidas da melhor maneira, em determinado tempo e local, nem sempre favoráveis ao aspecto de concentração, para que, mais tarde, resulte em boas conseqüências.
Este aspecto pode ser treinado por meio das estratégias do jogo do xadrez, tendo em vista algumas semelhanças destas situações com aquelas vivenciadas na escola.
Outro ponto interessante na prática do xadrez é o fato dos enxadristas precisarem anotar as partidas realizadas, para que seja feita, ao término da partida, uma análise dos lances executados. A anotação algébrica parte do pressuposto que todas as casas do tabuleiro sejam nomeadas com letras e números, podendo ser comparado ao plano cartesiano, no qual as crianças devem localizar, nas retas, as coordenadas e marcar os pontos.
Sá (1988) ressalta que a estratégia do ensino é muito próxima da do jogo de xadrez, onde a dialética e a autocrítica ocupam um lugar primordial e onde o vencido se enriquece mais que o vencedor. Do ponto de vista moral, o xadrez pode promover a conduta ética através da experiência do ganhar e do perder, que pode ser aproveitada pelo professor através da análise de partidas comentando erros e acertos.
No xadrez, entretanto, muitas vezes, estes dados não estão marcados no tabuleiro, sendo necessário que eles memorizem as coordenadas iniciais, sendo a memória ou a capacidade de memorização, outro fator importante, tanto no jogo de xadrez, como para as tarefas matemáticas.
O jogo de xadrez requer do enxadrista muita atenção, pois há necessidade de ver um plano abstrato, imaginando-se as jogadas a serem realizadas, sem que as peças sejam tocadas, com isso, a criança começa a adquirir o hábito de pensar sempre antes de estar realizando qualquer ação, em um processo de antecipação. Isto ocorre, não apenas no momento em que se está jogando, mas passa a refletir nos diversos aspectos do cotidiano, especialmente no que concerne às tarefas matemáticas.
Quantas vezes notam-se crianças fracassando em matemática, por exemplo, por não entenderem o enunciado de um problema, por não saberem o que elas precisam estar fazendo, ou por não terem condição de traçar estratégias mentais capacidades de apontar para uma possível solução.
O xadrez, neste sentido, contribui muito, ao mostrar que deve ser feita, inicialmente, uma longa análise da situação, organizando-se os dados retirados do enunciado e, até mesmo, aqueles correspondentes às respostas.
Geralmente, as crianças não sabem utilizar a capacidade de análise, por não terem sido treinadas para isto, uma vez que, apenas, aprendem fórmulas de memorização. Quando se defrontam com textos diferentes, ficam inseguras e não conseguem encontrar facilmente a resposta correta.
É preciso conseguir que as crianças encontrem seu próprio sistema de ação e, para isso, deve-se evitar as soluções mecanizadas, implementando as possibilidades de análise das situações.
Com relação à análise combinatória e ao cálculo de probabilidades, o xadrez muito pode contribuir, pois, no decorrer da partida, o jogador deve ser capaz de calcular com exatidão a manobra que realizará com suas peças, para que depois possa escolher qual o caminho mais rápido e eficaz a ser seguido, para obter maior sucesso. Faz-se necessário observar também as prováveis jogadas do adversário, procurando sempre o melhor lance que poderia ser realizado, antecipando a própria jogada do adversário, pois, assim, a criança não será surpreendida.
O jogador deve ser capaz de disciplinar ou aprender a controlar suas emoções, pois se estiver abalado ou sem autocontrole está sujeito a interferir no jogo de maneira que seu potencial fique muito abaixo de sua força real. O aluno, durante a partida, precisa poder resistir à tensão da pressão do tempo, que provoca inúmeras inquietações e, quando o resultado é um erro que o leva à derrota numa partida que estava quase ganha, este deve aceitar a situação.
Nas situações da matemática, este autocontrole emocional também precisa ocorrer e é, muitas vezes decisivo, para que o aluno encontre lucidez para discernir sobre a melhor resposta e o melhor encaminhamento do problema, com possibilidade, inclusive de falhar, ainda que soubesse o resultado ou o modo de resolvê-lo.
Todos estes elementos citados podem ser devidamente preparados durante o treinamento de xadrez, para que se possa contribuir efetivamente para a melhoria na atuação de crianças frente aos desafios da educação matemática.
Para que se pudesse ampliar as reflexões sobre as bases científicas destas afirmações, este estudo centrou a atenção em procurar identificar os aspectos que melhor podem ser trabalhados, quando se relaciona as vivências do jogo de xadrez e a educação matemática, tendo em vista a escassez de literatura a este respeito.
Método
Este estudo, de natureza qualitativa, teve como objetivo observar e analisar o desempenho de crianças que estavam sendo apresentadas à prática do xadrez pela primeira vez e verificar os benefícios advindos desta experiência na perspectiva de promover o xadrez como recurso auxiliar na implementação da educação matemática. O estudo foi desenvolvido em duas etapas, sendo a primeira referente a uma revisão de literatura sobre as temáticas em questão e a segunda relativa a uma pesquisa exploratória, utilizando-se como instrumento para a coleta de dados a observação.
Para o desenvolvimento da pesquisa exploratória, primeiramente, foi realizado um Curso de Xadrez para iniciantes, compreendendo alunos matriculados na 2ª série do Ensino Fundamental e observado a evolução dos alunos durante estas aulas, bem como o estreitamento deste aprendizado com a educação matemática.
O projeto foi desenvolvido durante um período de 5 meses consecutivos, com um grupo de 26 crianças, alunos da 2ª série do ensino fundamental de escola da rede particular da cidade de Rio Claro, SP, com faixa etária entre 8 e 9 anos.
O curso foi oferecido de forma extracurricular, matriculando-se apenas aqueles que realmente se interessam pela prática do xadrez. As aulas centravam-se em duas vezes por semana, com duração de 1 hora, visto que a criança nesta idade tem dificuldades em se concentrar durante um período longo.
Para a observação foram tomados como indicadores de análise: atenção, concentração, observação, analise e síntese, criatividade.
Os dados foram analisados de forma descritiva, indicando que, em relação ao primeiro indicador, referente ao aspecto da atenção, as crianças que participavam das aulas de xadrez passaram a estar mais atentas, tanto durante o jogo em si, como em sala de aula, tendo maior agilidade em resolver contas matemáticas e podendo realizar tarefas habituais e simples da sala de aula com maior facilidade.
Com relação ao aspecto da concentração, notou-se que em diversas oportunidades as crianças se mostravam mais centrados na atividade que estavam realizando. Outro aspecto positivo com relação a este tema vem do fato de conseguirem realizar leituras dos enunciados dos problemas sem dispersar, mesmo o texto sendo longo.
Com relação a fatores cognitivos versam sobre o tema os psicólogos da Universidade de Gand, CHRISTIAEN e VERHOFSTADT (1981), que investigando a influência do xadrez no desenvolvimento cognitivo, observaram que alunos do grupo experimental ao nível de 5º série, que receberam aulas de xadrez durante dois anos, obtiveram resultados significativamente superiores em testes cognitivos do tipo proposto por PIAGET, do que os alunos do grupo controle que não as receberam. Dentro deste contexto verifica-se que a observação e o poder de síntese e análise das crianças resultaram em grande melhoria.
Para VYGOTSKY (1933), que afirmou "embora no jogo de xadrez não haja uma substituição direta das relações da vida real, ele é sem duvida, um tipo de situação imaginária". Conforme propõe este psicólogo, através da aprendizagem do xadrez, a criança estaria elaborando habilidades e conhecimentos socialmente disponíveis, podendo contribuir com a auto-estima.
Considerações finais
Verificou-se que passado o primeiro semestre letivo de 1999, os alunos concluíram a fase de iniciação ao xadrez e encontravam-se aptos a jogar, com certa firmeza, e a decidir sobre suas posições sem a intervenção de outras pessoas.
Foi algo muito positivo verificar que a estrutura e seqüência das aulas foi bem recebida pelos alunos e tão associada no decorrer das aulas. Pois apesar da idade dos enxadristas, 8 anos, as aulas que continham assuntos abstratos foi trabalhado sem muitas dificuldades.
O presente estudo teve por objetivo pesquisar qual a influencia da pratica do jogo de xadrez com relação a educação m,atemática, o que obtive sucesso visto que no decorrer dos relatos notou-se um grande estreitamento entre ambos.
Por fim, o jogo de xadrez pode ser visto como o lúdico dentro da educação matemática e auxiliar, devido ao desenvolvimento cognitivo que possibilita aos enxadristas.
Referências bibliográficas
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· CHRISTIAEN, Johansen; VERHOFSTADT, Lebut. Xadrez e Desenvolvimento Cognitivo. Amsterdan, v.36, 1981.
· DA SILVA, Wilson; TIRADO, Augusto. Meu Primeiro Livro de Xadrez. Curitiba: Ed. Expoente, 1995.
· DIAKOV, Irvin; PETROVSKY, Norbert; RUDIK, Paulsen. Psychologija v Sachmatnoj Igri. Moscou, 1926.
· GOETHE, Johann. Uma Aventura no Mundo do Xadrez. Disponível em:
· GROOT, Antun. Het Denken van den Schaker: Een Experimenteel Psychologische Studie, Amsterdan, 1946.
· MELÃO JÚNIOR, Hindemburgo. Tributo à Deusa Caissa. Disponível em: https://www.terravista.pt/Enseada/2502/Tributo2.htm - Acesso em: 20 mar. 2002.
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